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ARTIGOS PUBLICADOS

COMPLIANCE E AS EXIGÊNCIAS DO MUNDO ATUAL

Um olhar despretensioso, mas atento, é capaz de verificar que o mundo empresarial de hoje em muito se distancia daquele que conhecemos há pouco tempo. As transformações pelas quais a sociedade moderna passou nas últimas décadas foram de tal sorte pujantes que impuseram uma readequação de valores, condutas e procedimentos para as empresas de variados segmentos. Mais do que nunca, tais empresas têm se preocupado em manter sua reputação alheia a qualquer tipo de mácula.

Atualmente, prestadores de serviços, produtores de bens de consumo e uma variada gama de sociedades empresárias buscam submeter suas condutas a um padrão de comportamento apto a evitar dissabores em suas empreitadas e se adequar aos ditames impostos pela legislação brasileira. Esse padrão de comportamento poderia ser sintetizado como um programa de normas para regrar a relação das empresas – inclusive de seus representantes legais – tanto com o mercado, quanto com a legislação brasileira. Trata-se do Compliance (do inglês, comply), que significa “agir de acordo com as regras”.

Embora recente, a adoção do Compliance no Brasil já foi capaz de redimensionar a atuação do universo empresarial nas esferas da produção, da distribuição e do consumo de produtos e serviços. Tanto assim que existem programas voltados para áreas específicas. A observância das exigências legais na contratação de um funcionário até sua orientação para atuar diante do poder público, por exemplo, são objetos de um programa que visa evitar penalidades nas áreas trabalhista e criminal. Os exemplos não param aí. Também na esfera ambiental e tributária é possível mitigar riscos mediante orientação profissional nos ambientes corporativos.

Diante desse cenário, tornou-se quase um imperativo a elaboração de um código de ética e conduta no interior de cada empresa. Funcionários e gestores devem segui-lo para implantar uma cultura preventiva e a manutenção de um padrão de comportamento socialmente idôneo. Isso ocorre porque o Compliance não se presta apenas a buscar sintonia com exigências de ordem jurídica, mas persegue também o ideal de não se envolver com condutas imorais, perniciosas à imagem da empresa.

No Brasil, já se criaram importantes mecanismos aptos a ensejar, por parte das empresas, uma política de Compliance. O Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (CEIS), mantido pela Controladoria-Geral da União, tem prestado um importante serviço ao disponibilizar uma lista de todas as empresas que já foram impedidas de contratar com a administração pública ou mesmo participar de licitações. Também a Lei anticorrupção (Lei 12.846/2013) impôs uma série de exigências que, uma vez não observadas, acarretarão em vultosas multas calculadas sobre o valor de seu faturamento.

Hoje, dificilmente uma empresa que se pretenda responsável e deseje atuar em conformidade com as regras impostas pela economia em nível mundial, poderá abrir mão de um programa de Compliance. Não se cuida de um modismo, mas de uma realidade que imporá uma nova cultura empresarial ao Brasil.

TRIBUNAIS DO CRIME E O ESTADO

Artigo publicado no Correio Popular em 20/01/2017

Em meio às notícias dos massacres de Manaus e Roraima, o Correio Popular divulgou, na semana passada, a ação do 1º Batalhão de Ações Especiais de Polícia (BAEP) que teria descoberto, em Campinas, a existência de um “Tribunal do Crime”. Na tarde daquela data, o BAEP flagrou o julgamento de um homem suspeito de estuprar o próprio filho. O “colegiado”, composto por nove indivíduos filiados ao Primeiro Comando da Capital (PCC), já havia impingido ao “acusado” algumas sevícias e, ao que tudo indica, prolatado sua sentença condenatória.

Embora a muitos a notícia possa ser revestida de algum ineditismo, ela versa sobre instâncias julgadoras que já se encontram no bojo da sociedade brasileira há décadas. Nos anos 1980, a polícia do Rio de Janeiro foi capaz de verificar a existência dos tribunais do Comando Vermelho, facção carioca que, em pouco tempo, ganharia dimensões nacionais e arrostaria o poder do Estado. Tais tribunais eram compostos por integrantes da facção carioca que julgavam moradores de comunidades fluminenses sob seu comando. A exemplo do Estado, a organização carioca exercia seu poder em território delimitado, determinando normas a partir das quais todos deveriam se portar. Com esse procedimento, logrou ganhar, cada vez mais, oportunidades e espaços que deveriam ser ocupados pelo próprio Estado. Com arrimo nessa lógica de preenchimento de lacunas deixadas pelo poder oficial, outras facções criminosas, tributárias do Comando Vermelho, puderam estabelecer, nas décadas subsequentes, um amplo escopo de atuação em vários Estados da federação.

Com o surgimento do Primeiro Comando da Capital (PCC) em São Paulo, a sistemática acima descrita seria imposta ao mundo carcerário. Julgamentos informais seriam realizados em vários presídios paulistas, demonstrando que as normas de convívio entre apenados eram aplicadas em detrimento das leis que regem a execução penal. Dentro de cada unidade prisional paulista, havia, portanto, tribunais autônomos, alheios ao Estado.

Pouco tempo se passou para que a atuação do PCC transcendesse o mundo das grades. Indivíduos eram cooptados fora do sistema prisional para fazer imperar, também no mundo livre, a atuação da associação criminosa. Assim, a perspectiva antes restrita ao cárcere foi ganhando espaços e afrontando a esfera estatal. O cume dessa tensão entre a facção paulista e o Estado se deu, como todos sabem, em maio de 2006, com os ataques a postos da Polícia Militar e Civil em várias cidades do Estado de São Paulo. As imagens daquele cenário remanescem na memória bandeirante e não raro são evocadas para relembrar o poderio do chamado “Partido”.

Em 2008, a imprensa nacional divulgou que o PCC havia criado seus tribunais. Neles julgavam-se tanto condutas gravíssimas como aquelas de pouca lesividade social ou apenas restritas ao âmbito familiar. Além de apreciar casos como os de homicídio e estupro, a facção paulista criou os “tribunais de pequenas causas”, análogos ao Juizado Especial Criminal (JECRIM) cuja competência é o julgamento de crimes de menor potencial ofensivo. Dívidas de pequena monta, relações extraconjugais e brigas entre vizinhos permeavam as sessões deliberativas dos tribunais do Primeiro Comando.

De lá para cá, é provável que esses tribunais não se tenham alterado significativamente. Embora seja razoável supor que uma ou outra conduta possa merecer tratamento diverso na arena da organização criminosa, o substrato de seus julgamentos permanece o mesmo. Ao seu arbítrio, impõe-se penas supostamente eficazes para – pasme-se! – reprimir o crime.

A constatação de que tais instâncias julgadoras permanecem exercendo suas atividades na atualidade traduz a sensação de que ao menos uma parcela da população brasileira concorda com sua forma de atuação e subtrai do Estado a legitimidade conquistada por meio do famígero pacto social delineado pela teoria hobbesiana. Cria-se um tecido social no qual elementos da esfera estatal são paulatinamente substituídos: em vez do Estado, a informalidade; em vez da legalidade, a arbitrariedade; em vez da racionalidade, a boçalidade e a beligerância. No mesmo passo em que desdenha das estruturas judiciais do Estado, a criminalidade avança e impõe à sociedade seu modus operandi. A tensão é realmente grande e não parece encontrar solução em fórmulas compradas a preços módicos, seja pela população, seja pelos nossos governantes.

Essa história, que atravessou décadas, não pode ser preterida no momento em que se discute a criação de um plano de segurança nacional e se delimita a atuação do Estado no combate às facções criminosas.

A CORRUPÇÃO E OS DONOS DAS RUAS

Artigo publicado no Correio Popular em 16/03/2017

No início do século XX, vários foram os autores que, sequiosos de diagnosticar as mazelas da sociedade brasileira, abordaram a temática da tensa relação entre o público e o privado. Em seu célebre ensaio Raízes do Brasil, Sérgio Buarque de Holanda denunciou os vícios que compõem as estruturas públicas brasileiras. O desapego à racionalidade ocidental e a negação da imparcialidade das normas jurídicas foram algumas das características verificadas pelo autor como constitutivas da formação nacional. O destino brasileiro seria marcado indelevelmente por traços personalistas. A preponderância de vontades particulares e a vedação natural a uma ordem impessoal era significativa, a tal ponto de se assinalar a incapacidade de fazer irromper a democracia, “um lamentável mal-entendido” segundo o autor. Em suma, para o sociólogo paulista, o Brasil estava impregnado do sentimento patrimonialista.

Décadas após seu diagnóstico, ressalvadas algumas especificidades, o quadro nacional permanece o mesmo. Além de persistir como elemento basilar da sociedade, o patrimonialismo ensejou a criação de um vasto campo para a emergência da corrupção. Hoje, desperto da letargia que o dominou por séculos, o Brasil se movimenta para impedir o avanço de uma ordem social deletéria e conquistar, ainda que de maneira tímida, a moralidade pública. Não é sem razão que a irrupção da operação Lava-Jato e seus desdobramentos na esfera judicial ganharam aplausos da maioria da população. Anseia-se a punição de seus envolvidos como forma de demonstrar que a nação deseja viver a era da cidadania e da ética. Contudo, tal anseio encontra-se em flagrante contradição com as mais diversas atitudes tomadas pelos próprios brasileiros em seu cotidiano. A gama dessas atitudes engloba os pequenos favores e até mesmo uma ingênua concessão ao domínio do privado sobre o público.

É no dia a dia, nas circunstâncias mais prosaicas, que o cidadão insatisfeito com as práticas da corrupção e do patrimonialismo acaba por reforçá-las. Talvez não tenha consciência disso, mas assim o faz. Exemplo emblemático é o indevido pagamento pelo uso das ruas. Um velho truísmo, conhecido inclusive pelas crianças, assevera que “a rua é pública”. Portanto, para utilizá-la não se exigiria o pagamento de nenhuma taxa ou tributo àqueles que usurparam seu caráter público. Os “olheiros” de carros, “flanelinhas” de outrora, são hoje grandes detentores do patrimônio público no Brasil. Muitos de nós, cidadãos, somente temos a percepção disso ao ouvir a conhecida pergunta: “Tio, posso olhar?” Quando essa indagação nos assalta em plena rua é porque eles já se apropriaram de calçadas, praças e quarteirões inteiros para auferir renda. Recebem valores por um serviço que jamais prestaram ou, o que é pior, cujo objeto da contraprestação financeira é inventado, porque inexistente. Essa situação não seria tão patética se a expropriação do público não contasse com a conivência de algumas autoridades competentes que, indiretamente, também colhem os louros dessa prática não republicana.

As cidades brasileiras – Campinas não é exceção – estão repletas de zonas que quase se converteram em propriedade privada. Aqui marcam-se áreas, como se estivessem delimitando um território particular. Há notícias de que seus “proprietários” resolveram “passar o ponto”, atribuindo a terceiros o “direito” de explorar aquela região. É um acinte a qualquer cidadão.

De outro lado, não se pode desprezar que o domínio do privado sobre o público ocorre também porque a maioria da população concorda com ele. Ao anuir com o uso da rua por expropriadores, pagando o valor pedido – às vezes quase imposto – para o serviço inexistente, cada brasileiro acaba por fomentar a lógica de que o público já se converteu em privado e esse é um fato natural, devendo ser aceito por todos. Afinal, muitos dos olheiros são vistos como pessoas honestas ou, numa expressão apta a justificar toda sorte de condutas espúrias, “homens que poderiam estar roubando”. Sua idoneidade moral ou a isenção de antecedentes criminais não são capazes de elidir a atuação perniciosa que desempenham no bojo da sociedade.

Diante desse cenário, é patente que quando se abre mão de usufruir de bens públicos em sua plenitude, concede-se primazia ao privado como se ela fosse legítima, lícita e normal. A rés pública é preterida e, à sua revelia, interesses individuais são satisfeitos. Em suma, o favorecimento da engrenagem que reproduz a corrupção é evidente.

É então que se pergunta: atribuir ao particular o domínio do público não é o mesmo que concordar com a lógica que alimenta o patrimonialismo e a corrupção? Não é o mesmo que admitir que o dinheiro público pode ser utilizado para a realização de interesses privados? Provavelmente, alguém responderia que a corrução tem consequências mais nefastas se comparada à apropriação das ruas, já que esta não tem impacto direto sobre a economia do país e não impede a construção de hospitais, escolas e outras instituições públicas aptas a resguardar o direito de todos. Entretanto, não se está a medir o alcance das duas práticas, mas apenas de refletir se ambas derivam da mesma postura.

Sendo afirmativas as respostas, remanesceria a todos a obrigação moral de perpetuar essa consciência e tomar alguma atitude.

PUBLICAÇÕES NA ÁREA JURÍDICA

Livros

BARBATO JR, Roberto. Direito Informal e Criminalidade. Os códigos do cárcere e do tráfico. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2020. v. 1. 176 p.

BARBATO JR, Roberto. Direito informal e criminalidade: os códigos do cárcere e do tráfico. Campinas: Millennium Editora, 2006, 176 p. [ISBN: 85-7625-099-3]

Capítulo de livro:

BARBATO JR, Roberto. Pluralismo jurídico e criminalidade brasileira. In: WOLKMER, Antônio Carlos; VERAS NETO, Francisco; LIXA, Ivone. (Org.). Pluralismo jurídico: os novos caminhos da contemporaneidade. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2013, v. 1, p. 225-239. [ISBN: 978-85-02-20291-7]

 

Artigos em periódicos especializados:

BARBATO JR, Roberto. “Aspectos controversos sobre as renovações das interceptações telefônicas”. Revista Síntese Direito Penal e Processual Penal, v. 21, p. 103-114, 2020.

BARBATO JR, Roberto. “Da titularidade da ação penal nos crimes contra a dignidade sexual”. Revista Síntese Direito Penal e Processual Penal, v. 118, p. 9-17, 2019. 

BARBATO JR, Roberto. “Considerações sobre a transcrição das interceptações telefônicas no processo penal”. Revista Síntese Direito Penal e Processual Penal, v. 19, p. 209-224, 2018. [ISSN: 2176-1627]

BARBATO JR, Roberto. Notas sobre eficácia, justiça, validade e o direito informal”. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 04, 2014, p. 83-101. [ISSN: 2318-003X]

BARBATO JR, Roberto. “O aborto de fetos anencéfalos: o direito e a realidade atual”. Revista dos Tribunais, São Paulo, vol. 865, Novembro/2007, p. 434-449. [ISSN: 0034-9275]

BARBATO JR, Roberto. “Consumação do crime de extorsão: avenças e desavenças doutrinárias”. Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal. Porto Alegre, v. 08, n. 45, Ago-Set/2007, p. 62-71. [ISSN: 1809-7804]

BARBATO JR, Roberto. “Direito, Sociologia e Ficção: o controle social e os comportamentos desviantes”. Revista de Estudos Criminais, Porto Alegre, vol. 14, 2004, pp. 170-182. [ISSN: 1676-8698]

BARBATO JR, Roberto. “Redução da maioridade penal: entre o direito e a opinião pública”. Revista dos Tribunais, São Paulo, vol. 822, Abril/2004, p. 429-443. [ISSN: 0034-9275]

BARBATO JR, Roberto. “Considerações sobre o crime de sedução: uma abordagem sociológica”. Revista dos Tribunais, São Paulo, vol. 814, Agosto/2003, p. 467-484. [ISSN: 0034-9275]